17.3.06

Letras, palavras, a vida em um livro.

Lembro-me dos tempos da minha infância, o contato com as letras, no início símbolos sem o menor sentido, mas logo descobri que cada uma tinha um significado, e sua junção me levaria por caminhos de aventura, alegria, conhecimento, felicidade. Fui alfabetizado ainda em casa, cheguei à escola com algum conhecimento sobre as letras, mas tive um verdadeiro progresso com a leitura através dos Gibis, foi diante dos quadrinhos coloridos do Tio Patinhas, Pato Donald, Pateta, Irmãos Metralhas entre outros que eu aprendi a amar a leitura, primeiro das histórias em quadrinhos, depois dos fantásticos Capa e Espada, por fim os livros de história da humanidade.

Sempre amei ler, ficava horas na biblioteca da escola mergulhado nas aventuras de Edmundo Dantès, narradas por Alexandre Dumas, que de logo se tornou meu escritor predileto, depois veio Edgar Alain Poe com seus misteriosos romances e contos, Victor Hugo com sua magnífica obra Os Miseráveis onde conta a saga de Jean Valjean. Os escritores franceses me seduziam a cada nova descoberta, lia a obra completa de cada novo autor, era algo quase religioso, só passava a um novo autor após ter terminada toda a obra daquele que eu estava lendo, com isso conhecia o que havia de bom e ruim em cada escritor objeto de minha dedicada leitura. Depois vieram os americanos primeiro Leon Uris dele destaco As Colinas da Ira, QB VII, Ernest Hemingway com o inesquecível O Velho e o Mar, A Ilha do Adeus, Paris é um Festa, Então voltei aos escritores europeus com Miguel de Cervantes e o seu lendário Dom Quixote, dos escritores brasileiros só vim ter conhecimento pela obrigatoriedade da leitura curricular na escola, passei o Ginásio lendo todos os que me eram impostos, talvez por isso, pela obrigatoriedade e não pela livre escolha, passei muito tempo com aversão a leitura de escritores brasileiros. Simplesmente não conseguia viver os personagens de seus livros, nada me causava aquela sensação de identificação com os personagens, a trama, o lugar onde se desenrolava a história.

Depois desse momento de desconforto que foi a leitura obrigatória de certos autores passei a descobrir novos caminhos na leitura, agora eram os livros de história antiga que me fascinavam, Sócrates, Alexandre o Grande, César, a Grécia e a Roma antiga me fascinavam, eu lia tudo o que se referia àqueles tempos, então veio o Egito e sua riqueza, seus faraós, nada passava despercebido de meus olhos, tudo era motivo para uma pesquisa mais profunda sobre aquele novo tema descoberto, as religiões e seus deuses, a ciência e os seus cientistas, voltei à Biblioteca, agora em busca das Enciclopédias, Barsa, Delta Larousse que eram fontes de inestimáveis momentos de deleite e prazer, quando em suas páginas era-me descortinado o mundo antigo, suas lendas e sua história.

Logo me tornei um leitor assíduo da história antiga, dos filósofos Gregos, dos grandes nomes da história mundial, foi quando passei a ler sobre os grandes pintores de nossa história, comecei com aquele até hoje ficou impregnado em mim como tatuagem, Vicent Van Gogh li sobre sua vida, seus temores, amores, dores e sofrimentos, só depois vim conhecer a sua obra, seu primeiro quadro a produzir-me encantamento foi o Semeador no Campo de Centeio, lembro-me que chorei ao ver a reprodução gráfica do quadro numa das muitas edições da Taschen que passei a folhear em todo as livrarias que visitava. Foram esses livros da Taschen que me levaram as artes plásticas, por meio deles conheci os grandes mestres da escultura, pintura, de todos os períodos, do nascido Miguel Ângelo di Lodovico Buonarroti Simoni, da cidade de Capresse, Itália mas conhecido como Michelangelo ao escultor francês Auguste Rodin, logo mergulhei em suas biografias, conhecendo o cotidiano de cada um dos mestres das artes plásticas que eu conhecia. Depois vieram os músicos, os grandes compositores clássicos começando pelo alemão nascido na cidade de Bonn Ludwig van Beethoven e a sua nona sinfonia, sua história era tão apaixonante quanto a sua música, depois veio seu maior contemporâneo, de qume foi aluno, Wolfgang Amadeus Mozart (Joannes Chrysostomus Wolfgangus Theophilus), nascido em 27 de janeiro de 1756, este com uma história tão magnífica quanto a sua obra, lembro de um relato sobre sua genialidade que passo a descrever:

“Ainda em 1761, o pequeno Mozart surpreendeu enormemente seu pai. Segundo Johann Andreas Schachtner (1735-1795), trompetista da corte de Salzburgo e amigo da família, em uma carta a Nannerl datada de abril de 1792: Certa vez acompanhei seu Papa à casa de vocês, após o serviço religioso da quinta-feira. Encontramos Wolfgangerl, que tinha então quatro anos, às voltas com uma pena.
Papa:” O que você está escrevendo?”
Mozart:” Um concerto para cravo; estou quase acabando a primeira parte.”
Papa:” Deixe-me ver; isso deve ser algo realmente notável!”
Seu Papa pegou a folha e mostrou-me uma lambuzada de notas, escritas na maior parte sobre manchas de tinta apagadas com um lenço [...]. A princípio rimos daquele aparente absurdo, mas aos poucos seu pai começou a perceber o principal, as notas, e a música. Durante um longo tempo ele ficou examinando atentamente aquela folha de papel e, finalmente, lágrimas, lágrimas de admiração e de deleite, tombaram-lhe dos olhos”.Veja isso, Herr Schachtner “, disse”, como tudo está composto tão corretamente e em boa ordem; só que é inútil, pois é tão extraordinariamente difícil que ninguém seria capaz de tocá-lo “. Mozart interrompeu-o:” É por isso que é um concerto; é preciso praticar até conseguir tocá-lo. Veja, é assim que deve ser.”E tocou, mas só conseguiu produzir o suficiente para que percebêssemos o que ele visava. Naquela ocasião ele tinha a concepção de que tocar um concerto era a mesma coisa que realizar um milagre”.(transcrição do texto original da biografia de Mozart - LA VIDA Y LA OBRA DE MOZART.Sarpe - Madrid, 1990.)

Foi quando tive meu primeiro deslumbramento, estava diante de mim Fernão Capelo Gaivota, a vida simplesmente tornou-se outra depois desse encontro, posso dizer que existiu em mim um menino assustado, inseguro, tímido e confuso antes de ler a obra de Richard Bach, e um novo indivíduo livre, seguro, forte e consciente de seu valor após os seus escritos, descobri em mim a vocação de aviador, descobri em mim a chama que me impulsionava a aventura, liberdade a conhecer sempre novos caminhos a descortinar novos horizontes. Foi importante perceber que aquelas inquietações que antes me afligiam em secreto eram bem mais comuns que eu podia imaginar, eu não era diferente, apenas estava inserido num contexto alheio a minha expectativa. Desse tempo em diante aprendi a ser feliz, e tudo por meio das letras impressas nos livros que eu li.

Hoje tenho lido muito pouco, mas sempre que me debruço sobre um novo livro tenho por ele um desejo quase que sexual, gosto de olhar na estante e escolher um volume, identificar o seu autor, ler a contra-capa folhear, sentir o cheiro do papel e da tinta, então me sentar na livraria e deixar-me seduzir pelo seu conteúdo, só então eu o levo para a intimidade da minha casa. É um flerte que finda numa paixão avassaladora e fugaz.

10.3.06

O Exército nos morros do Rio de Janeiro

Tenho acompanhado com curiosidade a ocupação dos morros cariocas pelas forças do Exército Brasileiro, vejo com atenção o noticiário das várias redes de televisão e leio os informes da imprensa carioca. Os militares ocuparam o que anteriormente era um território fora dos limites juridicionais do Estado, não a jurisdição formal, aquela que outorga ao Estado, pelo livre exercício do voto, o poder/dever de manter a lei e a ordem, isso numa perspectiva leiga do sentido da jurisdição (o poder que vem do povo, pelo povo e para o povo). O que existe nos guetos e favelas brasileiras é um estado paralelo, este sem outorga legal, logo sem legitimidade, mas imposto pela força das armas e pela omissão do Estado que abstêm-se de exercer seu poder/dever dentro desses territórios, ou mesmo de prestar a tutela aos direitos dos cidadãos desses lugares. É um poder marginal, oriundo da força do tráfico, do crime organizado, que mantém aquela população sob o julgo da proteção e submissão aos interesses do crime organizado.

Não vou me deter em analisar o prejuízo que o narcotráfico tem sofrido com a ocupação dos morros, nem com a sensação de segurança dos moradores das regiões circunvizinhas aos lugares ocupados. Quero pensar sobre os motivos dos protestos de algumas pessoas que residem nas áreas ocupadas e que se dizem aviltadas em seu direito de ir e vir, em sua dignidade, em sua segurança.

Uma situação de exceção exige um procedimento de exceção, a vigilância ostensiva que tem sido realizada nesses dias pelas tropas, não pode ser entendida como uma violação aos direitos civis dos cidadãos moradores daquelas comunidades, ora o tráfico tem restringido de forma muito mais violenta o sagrado direito de ir e vir daqueles cidadãos ao decretar toque de recolher e quando resolvem suas questões com enfretamento nas ruas e vielas dos morros. Quantos jovens não se perderam nas mãos dos traficantes, quantos vidas foram ceifadas durante as invasões de grupos rivais. O interessante nesse ponto é que todas as vítimas, nos morros, de balas perdidas, são sempre responsabillidade das forças policiais, é como se o traficante só atirasse em policiais e pessoas que não residem nessas localidades, parece até que o armamento do tráfico dispõe de um sensor para evitar atingir a população dos morros, então bala perdida é sempre oriunda do armamento da polícia. Curioso como ninguém até hoje levantou essa questão. Todas as vezes que a polícia invade o morro por conta da guerra entre traficantes as vítimas são sempre responsabillidade da ação da polícia, nunca se responsabilliza a facção rival ou mesmo o traficante do local pela morte de pessoas que nada tinham a ver com a guerra do tráfico.

Outro ponto a ser observado é que as pessoas que protestam diante do comando do Exército no Rio de Janeiro são em sua maioria jovens, não que isso seja algum tipo de preconceito, mas me intriga o fato de tantos senhores e senhoras que trabalham e vivem nos morros não estejam presentes nessas manifestações de repúdio a ocupação dos morros e as ações das forças militares. Parece uma ação organizada e dirigida pelos líderes do tráfico que arregimentam algumas pessoas para protestar e indignar-se diante das cameras de TV. São os mesmo que lotam os bailes funks onde a segurança é garantida pelo chefe do lugar, os mesmos que muitas vezes são incitados a descerem o morro em arrastão pelo simples prazer da aventura. Não quero ser entendido como preconceituoso e sectário, longe de mim tal comportamento, mas não posso deixar de pensar que jovens sem perspectivas de futuro são alvos fáceis do poder de sedução do crime organizado.

O Estado é responsável por esse caos em que vivem as populações dos morros e favelas brasileiras, mas nem por isso pode-se aceitar que quando existe uma possibilidade de enfrentamento desse poder marginal, com força capaz de suplantá-lo, seja essa ação, como o caso da ocupação dos morros, objeto de tantas críticas e de tantos protestos sob a égide da defesa dos direitos civis. Não posso aceitar tal atitude da imprensa nacional que deixa de trazer à tona o debate da ausência do Estado nesses lugares e de alternativas de força para o restabelecimento do poder estatal nos guetos sob o domínio do crime organizado.

Defendo sim a ocupação ostensiva dos morros e favelas brasileiras por forças do Exército Brasileiro, não por onfensa aos princípios constitucionais que restringem o campo de ação das forças armadas, mas pela firme convicção de que nesses lugares já se instaurou uma guerra civil e só com uma intervenção militar, composta por um efetivo numericamente superior, com treinamento adequado, armento pesado e estratégia de combate adequada poderemos submeter o tráfico e o crime organizado ao poder estatal, devolvendo ao seu lugar esses marginais que hoje se colocam como senhores feudais, impondo pela força a submissão daqueles que residem dentro dos limites de seus territórios. É chegada a hora do Estado Brasileiro reivindicar seu espaço nessas comuidades, quer seja oferecendo os serviços básicos de saúde, segurança e educação, quer seja exercendo o seu dever de manter a lei e a ordem.

Precisamos colocar gente nas ruas para exigir que o Estado cumpra o seu papel democrático, que faça valer a lei em todos os lugares do país e acabe com esses territórios onde impera a lei do crime organizado. Pois do contrário corremos o risco de em breve acordarmos numa sociedade sob o domínio do crime organizado.

3.3.06

Pra não dizer que não falei das flores

Os dias andam agitados, estou me preparando para o exame da Ordem dos Advogados do Brasil, na verdade eu comecei a estudar há dois dias, primeiro porque ainda não venci esse hábito de procrastinar tudo, depois por imaginar que os cinco longos anos de faculdade deveriam ser suficientes para me habilitar ao exame. O pior é que começo a ter a sensação de que não serei aprovado, isto não por haver em mim um grande vazio intelectual dos fundamentos jurídicos necessários ao exercício da advocacia, mas por haver em nosso país uma política de concurso, onde o exame da OAB tornou-se um instrumento de avaliação das entidades de ensino jurídico superior, então concorrem as várias faculdades entre si, representadas por seus alunos recém formados, no fim tudo não passa de uma grande competição onde cada um luta por ter um lugar melhor no Ranking, e o "mercado" absolve os melhores colocados.

O curioso disso tudo é que muitas escolas estão deixando de lado o ensino doutrinário e profundo, a epistemologia do direito, para preparar os alunos nas questões de múltiplas escolhas, cheias de "cascas de banana", típicas de concursos vestibulares. Vejo o profissional do direito após aprovado no exame da ordem procurando cursos de aperfeiçoamento, que na verdade ensinarão o que deveria ter sido ensinado durante o curso de bacharelado, temo que os profissionais do futuro estejam preparados para responder questões objetivas em provas de múltipla escolha, todavia necessitarão de um maior aprofundamento teórico para enfrentar as questões práticas que envolve muito mais que a pura observância da lei, mas sim a sua exegese.